Aos poucos a paisagem foi se
transformando. A escuridão que preenchia tão densamente foi cedendo lugar à uma
claridade estranha, quase sem vida. Muito diferente da luz do sol que estava
acostumado.
Já podia enxergar algo que
lembrava vagamente grama no chão, apesar de aparentar uma textura diferente,
quase arenosa. Quando pisava sobre ela, as folhas se desmanchavam formando uma
trilha de areia esverdeada as suas costas.
Não demorou muito e se deparou
com uma estrada. Não, não era uma estrada. Parecia mais uma trilha esquecida em
meio aquela paisagem bizarra. Olhou para os dois lados, mas não viu ninguém, ou
qualquer sinal de que algo vivo estivesse por ali.
Suspirou profundamente. Queria
lembrar. Lembrar de coisas de ontem. Mas não conseguia. Seu passado era um
mistério. Parecia perdido em um mundo desconhecido. Seus passos eram
vacilantes, mas logo adentrou a trilha e seguiu por ela sem direção. Afinal não
sabia para onde deveria ir, se é que deveria ir para algum lugar. Seu peito as
vezes doía, uma dor estranha. Uma dor quase incômoda, mas aos poucos pensava se
não sentiria falta dela, caso ela o deixasse. Afinal, só desta forma se sentia
vivo. A cada batida de seu coração, uma nova esperança se formava em sua
ingênua mente. Talvez se lembrasse. Talvez estivesse sonhando e logo acordasse.
Talvez esta vida fosse apenas sombra de uma vida maior. Talvez assim não
sentiria tão insignificante.
Seus pensamentos vagueavam sem
rumo aparente, assim como seu corpo. Mas em dado momento, não sabe precisar
quando, sua consciência foi trazida de volta. Uma voz murmurava por sua
atenção.
Pela primeira vez depois de muito
tempo, alguém além de seus fantasmas cruzava seu caminho.
- Para onde vai? – Um ancião
recostado em uma pedra o olhava fixamente. – Tem certeza que está no caminho
certo?
- Não existe caminho certo para
quem não tem direção. – ele respondeu. – Vou para frente buscando respostas
para perguntas que ainda não fiz.
- Mas se ainda não fez as
perguntas – o ancião sorriu. Um sorriso malicioso e despreocupado. – Como espera
obter as respostas?
Ainda incapaz de se lembrar,
pensou sobre as palavras do ancião. De cabeça baixa, voltou a caminhar.
- Nada espero de um mundo que
desconheço – murmurou. – Nada sei de mim ou de qualquer pessoa. Busco encontrar
um sentido ao que não tem. Busco respostas ao enigma que me encontro. Não tenho
opção, pois nada sou neste momento. Mesmo que eu desapareça agora, não sei se
para alguém signifiquei algo. Nem mesmo saudades eu posso sentir, pois de nada
me lembro a não ser do agora. Agora este que nada de familiar para mim tem.
- Uma questão interessante, meu
amigo – o ancião se levantou. – Caminhe ao
meu lado por um tempo. Creio que poucas são as pessoas deste ou de qualquer
outro mundo que não sofram destes mesmos receios. Já que não tem um nome, te
chamarei de ninguém. Tem algo contra isso?
- Não – ele levantou a cabeça e
olhou fixamente nos olhos do ancião. – É assim mesmo que me sinto. Ninguém em
especial para alguém. Ninguém que esteja fazendo falta para alguém. Ninguém que
possa fazer diferença na vida de alguém.
- Pois bem, meu caro ninguém – o ancião
começou a caminhar. – Venha. Quero lhe mostrar algumas coisas.
E assim os dois passaram a
caminhar naquela trilha vazia que não conduzia a lugar algum. Pelo menos nenhum
lugar que fosse realmente importante. Mas quem definiu a importância das
coisas? Para aquele que nada se lembra, qualquer coisa que possa lhe fazer
sentir vivo tem a maior importância do mundo.
Aos poucos a paisagem mudou
novamente, e as densas trevas ficaram para trás desaparecendo completamente.
Mais uma vez, deixara o abismo.