quinta-feira, setembro 06, 2012

Ninguém em especial...



Aos poucos a paisagem foi se transformando. A escuridão que preenchia tão densamente foi cedendo lugar à uma claridade estranha, quase sem vida. Muito diferente da luz do sol que estava acostumado.

Já podia enxergar algo que lembrava vagamente grama no chão, apesar de aparentar uma textura diferente, quase arenosa. Quando pisava sobre ela, as folhas se desmanchavam formando uma trilha de areia esverdeada as suas costas.

Não demorou muito e se deparou com uma estrada. Não, não era uma estrada. Parecia mais uma trilha esquecida em meio aquela paisagem bizarra. Olhou para os dois lados, mas não viu ninguém, ou qualquer sinal de que algo vivo estivesse por ali.

Suspirou profundamente. Queria lembrar. Lembrar de coisas de ontem. Mas não conseguia. Seu passado era um mistério. Parecia perdido em um mundo desconhecido. Seus passos eram vacilantes, mas logo adentrou a trilha e seguiu por ela sem direção. Afinal não sabia para onde deveria ir, se é que deveria ir para algum lugar. Seu peito as vezes doía, uma dor estranha. Uma dor quase incômoda, mas aos poucos pensava se não sentiria falta dela, caso ela o deixasse. Afinal, só desta forma se sentia vivo. A cada batida de seu coração, uma nova esperança se formava em sua ingênua mente. Talvez se lembrasse. Talvez estivesse sonhando e logo acordasse. Talvez esta vida fosse apenas sombra de uma vida maior. Talvez assim não sentiria tão insignificante.

Seus pensamentos vagueavam sem rumo aparente, assim como seu corpo. Mas em dado momento, não sabe precisar quando, sua consciência foi trazida de volta. Uma voz murmurava por sua atenção.

Pela primeira vez depois de muito tempo, alguém além de seus fantasmas cruzava seu caminho.

- Para onde vai? – Um ancião recostado em uma pedra o olhava fixamente. – Tem certeza que está no caminho certo?

- Não existe caminho certo para quem não tem direção. – ele respondeu. – Vou para frente buscando respostas para perguntas que ainda não fiz.

- Mas se ainda não fez as perguntas – o ancião sorriu. Um sorriso malicioso e despreocupado. – Como espera obter as respostas?

Ainda incapaz de se lembrar, pensou sobre as palavras do ancião. De cabeça baixa, voltou a caminhar.

- Nada espero de um mundo que desconheço – murmurou. – Nada sei de mim ou de qualquer pessoa. Busco encontrar um sentido ao que não tem. Busco respostas ao enigma que me encontro. Não tenho opção, pois nada sou neste momento. Mesmo que eu desapareça agora, não sei se para alguém signifiquei algo. Nem mesmo saudades eu posso sentir, pois de nada me lembro a não ser do agora. Agora este que nada de familiar para mim tem.

- Uma questão interessante, meu amigo – o ancião se levantou.  – Caminhe ao meu lado por um tempo. Creio que poucas são as pessoas deste ou de qualquer outro mundo que não sofram destes mesmos receios. Já que não tem um nome, te chamarei de ninguém. Tem algo contra isso?

- Não – ele levantou a cabeça e olhou fixamente nos olhos do ancião. – É assim mesmo que me sinto. Ninguém em especial para alguém. Ninguém que esteja fazendo falta para alguém. Ninguém que possa fazer diferença na vida de alguém.

- Pois bem, meu caro ninguém – o ancião começou a caminhar. – Venha. Quero lhe mostrar algumas coisas.

E assim os dois passaram a caminhar naquela trilha vazia que não conduzia a lugar algum. Pelo menos nenhum lugar que fosse realmente importante. Mas quem definiu a importância das coisas? Para aquele que nada se lembra, qualquer coisa que possa lhe fazer sentir vivo tem a maior importância do mundo.

Aos poucos a paisagem mudou novamente, e as densas trevas ficaram para trás desaparecendo completamente.

Mais uma vez, deixara o abismo.

1 Comments:

Blogger Rayane said...

Amor, muito bom seu conto.
Mas vale uma ressalva que as trevas não prevalecem para sempre, que são apenas fases escuras em nosso caminho.
Vale ressaltar que ser importante para algo está além daquilo que podemos perceber.

9:51 PM  

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