
Christopher caminhava pela praia, perdido em pensamentos. Não percebia que a noite avançava rapidamente e uma densa neblina se formava, trazida pela maré.
- Como pôde ser tão insensível, Juliette ? – ele repetia, sem parar e sua voz se perdia em meio à neblina, transformando-a em um eco assustador.
- Eu lhe entreguei o meu amor e você o desprezou – sua voz amargurada refletia o estado de seu espírito.
Christopher continuou caminhando pela praia e logo as ondas já alcançavam seus pés.
As lágrimas escorriam de seus olhos e já não tendo mais forças para caminhar, ele deixou-se cair de joelhos na areia fria e molhada.
- Por que? – gritava e chorava. – Por que eu sobrevivi a aquele maldito naufrágio?
Encostou sua face na areia e as ondas tocavam-na levemente quando a alcançava.
- Apenas para sofrer a dor de um amor não correspondido? – a neblina já o envolvia completamente. – Pai, onde você está? Por que me abandonaste nesta terra estranha e maldita?
As ondas agora alcançavam completamente o corpo de Christopher e o frio noturno o envolveu.
- Quisera eu nunca ter sobrevivido – levantou seus olhos para o céu. – Quisera eu ter morrido com meus pais.
Uma voz ressoou a sua volta.
- Por que busca respostas no céu? – disse a estranha voz. – A resposta a todas as suas perguntas está no mar.
Christopher não deu atenção à voz e continuou olhando para o céu sem estrelas.
- Christopher jamais deixou aquele barco – a voz ressoava. – Ele está no fundo do oceano com seus pais.
- Como assim? – Christopher virou seu rosto e encarou o vazio de onde imaginou que vinha a voz. – Eu estou aqui. Eu sou Christopher.
- E como você pode ter certeza disso? – disse a voz e o vento gelado voltou a soprar violentamente.
- Quem és tu? – Christopher permanecia encarando o vazio. – Quem és tu, que me diz coisas tão loucas?
- Eu sou aquele que te tirou do mar, meu filho – o vazio agora tomava forma. – Naquele seu momento de angústia eu te fiz renascer do profundo oceano. Sua casca mortal ainda jaz naquele barco. Mas o que está aqui agora é fruto de meu poder. Teu espírito renascido e remodelado conforme a perfeição de minha vontade.
- Isto
não é possível - disse Christopher. - Eu sobrevivi ao naufrágio. Seja lá quem você for, és um louco.
O vento castigava seu rosto agora, e parte da neblina em sua frente começou a desaparecer. Um homem com o rosto coberto por um capuz permanecia parado à sua frente.
- Jovem Christopher – disse o homem. – Eu lhe observo há muito tempo, desde os dias de sua juventude na Inglaterra. Nada que fizeste escapou de meus olhos.
- Como pode ser? – perguntou Christopher. – Revele-se para que eu possa saber quem és tu. És algum de meus amigos que ficou na minha amada terra?
- Apesar de eu estar ao seu lado o tempo todo – disse o homem. – Você nunca me viu. Mas já sentiu a minha presença diversas vezes.
- Eu devo ter enlouquecido – Christopher encostou sua face na areia e as ondas alcançaram seu rosto, molhando-o por completo.
- Não, meu filho – disse o homem. – Tu não estás louco.
A mão fria do homem tocou o ombro de Christopher.
- Por que choras pela recusa de uma mulher? – o homem ajoelhou-se ao lado de Christopher.
- Porque eu a amo – respondeu Christopher. – E não sou capaz de imaginar a minha vida sem ela.
- Eu tenho um destino glorioso reservado para ti, jovem Christopher – disse o homem. – Tu serás um rei entre os mortais e terá muito mais do que o amor das mulheres.
- E o que pode ser maior do que o amor? – perguntou Christopher.
O homem sorriu.
- O poder, Christopher – o homem levantou-se. – Elas lhe servirão de corpo e alma, mas não terão nenhum poder ou influência sobre ti.
- Não entendo – Christopher permaneceu ajoelhado, mas levantou seu rosto e encarou o homem. – Como isso seria possível?
- Tu terás o poder sobre a alma das mulheres – respondeu o homem. – Elas o seguirão e lhe servirão até a morte, sem que você tenha que fazer nenhum sacrifício por elas.
- Mas eu não quero todas as mulheres – disse Christopher. – Eu amo apenas uma mulher, e seu amor me bastaria.
- E ela o ama? – perguntou o homem.
- Não sei – murmurou Christopher. – Eu não sei.
- Enquanto continuar nesta condição mortal – disse o homem. – Escravo de um sentimento tão vazio e tolo, jamais terá Juliette.
O homem virou-se e caminhando começou a desaparecer na neblina.
- Espere – gritou Christopher. – Você pode fazer com que Juliette me ame?
- Não só ela como todas as outras mulheres – o homem parou e virou-se na direção de Christopher. – E os homens temerão ao ouvir o seu nome.
- Se for para ter Juliette ao meu lado eu faço qualquer coisa – disse Christopher. – O que tenho que fazer?
O homem caminhou lentamente e parou diante de Christopher e estendeu sua mão.
– Tu serás a partir deste momento o meu arauto neste mundo, e apesar de caminhar ao lado dos mortais, jamais será como eles – disse o homem. - Teu coração não mais será tocado pelos sentimentos que te enfraqueciam e os homens e mulheres servirão apenas como um brinquedo para os seus mais sórdidos desígnios. Serás um rei entre os homens. Você aceita o legado que te imponho nesta noite?
- Eu aceito – respondeu Christopher segurando a mão fria que lhe era estendida.A neblina ficou muito mais densa e lobos uivaram nas montanhas naquele momento.