terça-feira, fevereiro 19, 2008

Happy Hour

- Vovô, o que é Happy Hour? – perguntou o pequenino ao idoso sentado na cadeira de balanço.
O velho de longos cabelos brancos olhou com ternura para o menino. Respirou profundamente. Aquelas palavras há muito tempo esquecidas voltaram à sua mente com um balde de lembranças.
- Minha criança – disse o idoso. – Houve uma época há muito tempo atrás em que as pessoas saíam de seu trabalho e iam para algum lugar beber ou conversar entre amigos. Era para relaxar após um dia cansativo de trabalho. Essa hora em que eles se reuniam fora do trabalho era chamada de happy hour ou hora alegra em nosso idioma.
- Eles saíam? Como assim? – perguntou o menino, em seu rosto um enorme ponto de interrogação. – Saíam para onde?
- Havia alguns bares ou padarias – respondeu o idoso. – Era para lá que eles iam.
- Sei, dentro da casa de um deles, né? – o menino sorriu.
- Não – o idoso sorriu com a ingenuidade da criança. – Eles realmente saiam para a rua. Era em lugares públicos que eles iam.
O menino olhou espantado. Aquilo parecia muito longe de sua realidade para que ele pudesse entender.
- Lugares públicos? Depois do trabalho? – perguntou o menino com os olhos arregalados de espanto. – Mas e os Cães de Caça?
O idoso olhou sério para o menino. Aquela pergunta lhe trouxe de novo à realidade. Ao mundo em que eles agora viviam.
- Nesta época não existiam os Cães de Caça – respondeu o idoso. – As pessoas podiam transitar livremente por locais públicos sem ter que ter prévia autorização.
A criança ouviu isso e arregalou os olhos. Sua ingênua mente estava confusa com todas aquelas informações recebidas naquele momento. Era um mundo novo, ou melhor antigo, mas que para ele parecia uma outra realidade. Sua mente infantil deu asas a sua imaginação e ele começou a sonhar acordado com aquelas palavras que seu avô havia lhe dito.
Ao ver que o menino parecia divagar em seus pensamentos, o idoso o trouxe de volta a realidade.
- Sente-se aqui – disse olhando o menino com ternura. – Vou lhe contar um pouco sobre essa época.
Ali enquanto falava sobre o passado, as lembranças foram retornando à sua mente já cansada pelo peso dos anos.
Lembrava-se de seu avô lhe contando as histórias de um povo que lutava, que se indignava. Riu da situação. Hoje era ele que ocupava o papel de seu avô. Estava diante de um jovem contanto sobre como era vida quando havia liberdade.
Lembrou-se então de uma das histórias que ele mais gostava. Pedia sempre para seu avô repetir. Sobre o dia em que o povo saiu às ruas com os rostos pintados com as cores da bandeira e invadiram o palácio do planalto e arrancara o presidente à força para fora. Ali o depuseram e acabaram com sua tirania.
Ele suspirou e bateu levemente na cabeça de seu neto.
- Sim – disse. – Houve uma época de liberdade. É uma pena que nossos pais escolheram a prisão...

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Condenação - Parte 4

Antes mesmo que percebesse seus olhos foram ficando pesados. O peso do cansaço tomou conta de seu corpo e ele adormeceu. Ou melhor, ele despertou. Algo estava errado. Tinha certeza que havia adormecido, mas estava ali, disposto, sem o menor sinal de cansaço. Estava em uma cama de negra. O quarto não parecia em nada com a cela em que se encontrava antes de adormecer. Não havia luxo nele. Havia uma atmosfera estranha naquele lugar. Um ar pesado. Podia sentir um medo reinante em cada parede. No fundo de seu ser, sua alma tremia. Mas ele não sabia por que. Pelo menos não queria saber.
Levantou-se. Vestia um robe de seda negro. Havia apenas uma porta no quarto. Quando deu o primeiro passo em direção à ela, a porta se abriu.
- Então já acordou – disse uma figura encapuzada entrando no quarto. – Teve bons sonhos? – sua voz saía naturalmente irônica.
Christopher lembrou-se vagamente da cela onde estava.
- Você deve estar se perguntando onde está, não é? – disse o encapuzado, sentando-se na cama. – Sua memória está confusa.
- Sim – respondeu Christopher. – Me lembro vagamente de uma prisão. De pessoas vestindo roupas estranhas. Foi um sonho?
O encapuzado gargalhou.
- Do que está rindo? – perguntou Christopher, já se irritando com o jeito debochado do encapuzado.
- De você, oras – respondeu o encapuzado. – Afinal do que mais eu riria aqui, senão de um tolo que trocou a imortalidade por um amor mortal?
Neste momento Christopher lembrou-se dela. Seu amor. Aquela que dava razão à sua existência. Aquela por quem ele desafiou seu senhor. Mas não conseguia lembra de seu rosto. Apenas lembrava-se de sua existência. Toda vez que tentava se focar no rosto, este estava apagado, coberto por uma nuvem negra e cinza.
- Não consigo me lembrar do rosto dela – suspirou. – Chego muito perto da lembrança, mas sou incapaz de visualizar o rosto dela.
- É uma pena – disse o encapuzado. – Mas com o tempo você entenderá. Venha. Vamos caminhar um pouco.

Logo os dois saíram do quarto. Christopher caminhava lado a lado do encapuzado. Sentia-se mal. Mas não conseguia evitar aquela sórdida companhia.
- Você ainda não me respondeu se aquilo foi um sonho – disse Christopher, enquanto contemplava os enormes pilares de pedra negra que sustentavam o teto daquela câmara por onde passavam.
- Se faz questão da resposta – disse ironicamente o encapuzado. – Posso lhe dizer que foi sim. Mas também não foi.
- Não entendo – Christopher estava confuso. – Como algo poder ser real e irreal ao mesmo tempo?
- A realidade não é algo fácil de se compreender – disse o encapuzado. – Venha por aqui.
Seguiram até uma passagem que levou à uma grande sacada.
Dali podiam contemplar a imensidão de um deserto de areias vermelhas que se estendia ao longe.
- Eu já estive aqui! – exclamou Christopher.
- Sim – respondeu o encapuzado. – Ali você está tendo seu segundo tormento.
- Como assim estou tendo? – perguntou Christopher. – Eu estou aqui.
- Olhe bem, minha criança – o encapuzado apontou para um local específico.
Ali Christopher viu um homem acorrentado. Ali ele viu as criaturas devoradoras que saiam da areia. Ali ele se lembrou que já passara por aquilo. Mas seu terror foi por completo quando fixou seu olhar no homem acorrentado. Era a si mesmo que via ali. Christopher gritou em desespero.
- Fica quieto, mané – um grito o despertou. – Tá sonhando com o que? Viu o bicho-papão?
Christopher abriu os olhos. Estava na cela, preso. Ao lado um homem olhava entre as grades.
- Caraio – disse olhando para Christopher. – Tu faz barulho a beça quando dorme.
- Foi um sonho? – Christopher colocou a mão na cabeça. – O que está acontecendo? Eu devo ter enlouquecido.
O homem deu de ombros e continuou olhando para fora.
- Sei que você não vai acreditar em mim – disse enquanto se levantava e caminhou na direção do homem. – Mas eu não sei por que eu fui preso.
O homem virou o rosto e o encarou.
- Como assim não sabe? Tu matou, tu roubou? – perguntou, desconfiado.
- Nada disso – respondeu Christopher. – Eu entrei em uma casa e tinha uma mulher morta no chão. Quando vi, vários soldados me agarraram e me trouxeram para cá.
- Também tu é muito azarado – disse o homem. – Foi roubar a casa de uma mulher morta.
- O pior é que não – disse Christopher. – Ouvi um grito e entrei pensando que ela estivesse precisando de ajuda.
- Hum! – o homem coçou o queixo. – Olha só. Eu conheço mentira de olho fechado. E tu não ta me parecendo um mentiroso. Se isso for mesmo verdade, tu é muito zicado mesmo.
- Zicado? – perguntou Christopher.
- Azarado, porra – disse o homem. – De que mundo você veio?
- Não sei – Christopher coçou a cabeça. – Não me lembro.
- Não sei por que, mas fui com a tua cara – disse o homem. – Vou te ajudar por aqui – o homem estendeu a mão – Pode me chamar de Rato.
Christopher estranhou aquele nome, mas nada disse, apenas estendeu a mão e apertou a mão do homem. – Meu nome é Christopher.