O Reflexo

 

Ele se arrasta lentamente pelo cômodo úmido e frio. Com muito esforço consegue se apoiar sobre a pia suja na parede escura. Quando se levanta se depara com um espelho rachado. Ele encara seu reflexo distorcido pela rachadura.

- Você tinha razão... – murmura entre os dentes. – Eu preciso de você.

O reflexo do lado esquerdo do espelho sorri maliciosamente.

- Eu tentei te suprimir... – a voz quase sumindo. – Mas não consigo ter vida plena sem você. É minha maior vergonha, e mesmo assim preciso me reconciliar contigo.

Sem dizer uma palavra o reflexo estende sua mão que atravessa o espelho.

- Vamos tentar fazer isso funcionar – estendeu a mão. – Mas lembre-se. Você também precisa de mim – e segurou a mão fria que se projetava do espelho.

Uma sensação nauseante tomou conta de sua alma. Um arrepio percorreu sua espinha. A raiva, o ódio, o medo, o desespero. Todos os sentimentos represados vieram à tona. Um turbilhão revoltoso de emoções.

Sentia novamente aquela energia e aquele poder. Sabia como agir e o que fazer. Insegurança substituída pelo excesso de confiança. Quando menos percebeu, já estava envolvido novamente por aquela estranha sensação de controle.

Já não pensava mais. Apenas agia. Dominava. Atacava. Controlava. Sua sombra não aceita dividir o controle.

Antes que se desse conta, havia feito novamente. Machucara quem era mais importante. Agira como um perfeito idiota. Não tinha percebido o quanto de si tinha perdido para a sombra, e quando se deu conta já era tarde demais.

A sombra o deixou sozinho novamente. Mas antes de voltar para o espelho o encarou com aquele malicioso sorriso.

- Você me pediu ajuda. – a voz gutural ressoou. – Mas será nos meus termos e não como você acha que deve ser – atravessou o espelho e sua gargalhada ainda ecoou por algum tempo.

Ele caiu de joelhos. As lágrimas caiam sem que ele pudesse contê-las.