Purificação

O relógio dispara seu alarme. Eu acordo em um sobressalto. Estou em meu quarto. Minhas mãos tremem. Abro meus olhos. Minha vista está embaçada. Tento mexer as pernas. Elas não respondem. Estão dormentes. Respiro com dificuldade. Meu peito dói. Meu coração parece que vai explodir dento dele. O frio... Meu corpo está gelado. Meus dentes começam a bater ferozmente. O cobertor não é suficiente para afastar aquele frio sepulcral. Então eu me dou conta. Não tenho relógio, nem mesmo um despertador. O que eu ouvi então? O que me acordou? A dormência em minhas pernas, lentamente vai desaparecendo. Minha visão vai voltando ao normal pouco a pouco. Preciso levantar. Preciso me sentir vivo. Algo está errado. Eu sinto no fundo de minha alma um vazio. Algo aconteceu. Minhas lembranças estão confusas. Eu estava em outro lugar. Que lugar? Era um sonho? Com muita dificuldade eu me levanto. Meio cambaleante chego até a cozinha. O relógio marca uma duas da manhã. Não é possível. Fazia apenas uma hora que eu havia ido dormir. Mas parecia uma eternidade. O frio. Apesar do calor daquela noite eu tremia. O frio parecia vir de dentro para fora. Minha pele parecia ressecada. Agora meu corpo todo doía. Meu coração ainda batia em uma velocidade anormal. Minha garganta está seca. Encho um copo com água e o viro em um gole só. Tusso repetidamente e quase vomito. Minha garganta parecia rejeitar aquele líquido. Arrasto-me de volta para o quarto. O frio está insuportável. Coloco uma calça e duas blusas. Meu corpo ainda continua gelado. Deito-me. Preciso tentar dormir. O sono não vem. Então aos poucos as lembranças vão retornando. O sonho que tive vai ficando claro em minha mente. Meu espírito estava livre. Livre do fardo de arrastar um corpo. Meu espírito estava unido mais uma vez com o Cosmo. Não havia limites. Meu espírito e o Universo eram um só. Ao lado dele, outros espíritos se uniam. Todos eram parte de tudo. Não havia separação, distinção. A calma e a paz tanto almejada haviam sido alcançadas. Tudo o que fora não importava mais. Apenas o que era. Aquele momento único que parecia congelado na eternidade das coisas. Era como um tijolo na arquitetura cósmica. E ali diante de tudo estava o arquiteto. O regente de tudo. Então meu espírito ouviu. Não era uma voz. Era como um toque. Como se dentro dele algo ressoasse. “Você irá voltar”. E no mesmo instante meu espírito voltou para meu corpo. Foi o momento mais doloroso de toda minha vida. Não era um sonho. Mas também não era a realidade. Era uma mistura das duas coisas. Era a intersecção de tudo. O ponto mais tênue onde a realidade e a fantasia se encontram. Meu espírito não queria voltar, queria permanecer na paz e contentamento que estava. E meu corpo parecia rejeitá-lo. E quando enfim corpo e espírito se uniram novamente eu acordei. Essas lembranças ficam se repetindo em minha mente enquanto tento pegar no sono. Não consigo. O frio que sinto não me deixa dormir. Minhas pernas e meu peito continuam doendo. Sinto-me fraco. Como se não comesse ou dormisse há dias. Amanhece. Meu estado não melhora. Estou pálido. Não tenho fome. Não tenho sede. Dentro de mim uma sensação de tristeza. Sinto falta daquele lugar de meu sonho. Tudo à minha volta parecia vazio, sem sentido. E o frio perdurava. Não importasse quantas blusas eu colocasse, nada fazia o calor voltar a meu corpo. Após alguns dias me deteriorando dessa forma, fui ao médico. Ou melhor, me arrastaram ao médico. O doutor me examina. Não sabe o que eu tenho. Imagina que seja um vírus. Mas qual ele não faz idéia. Administra remédios comuns. Não fazem efeito. Apenas deixam-me mais letárgico do que eu já estava. Volto para casa. Pior do que eu estava antes de ir ao médico. Levam-me em outro médico. Assim como o anterior, ele me examina chega à mesma conclusão. Não sabe o que é. Apenas como parte do protocolo receita alguns remédios. Não fazem efeito. Volto para casa. Meu corpo dói muito. E o frio. Nada faz aquele terrível e sepulcral frio ir embora. Eu me entrego. Não deixo mais que me levem ao médico. Deixo que meu corpo tente se curar sozinho. E após uma semana como que por encanto isso acontece. Eu acordo. As dores sumiram. Meu corpo está quente. O frio desapareceu por completo. A cor de minha pele voltara ao normal. Todo o meu vigor havia retornado. Aquela terrível semana que eu havia passado, agora parecia apenas uma lembrança ruim. Mas o sonho ainda estava vivo em minhas lembranças. Era o primeiro sonho que não havia desaparecido em minha memória. Levantei-me e voltei a minha vida cotidiana. Todos se espantaram ao me ver bem de novo. E perguntavam o que eu tinha. Mas nem eu nem os médicos sabíamos o que tinha acontecido comigo. Mas afinal não importava. Eu estava bem de novo. E mesmo depois de um ano ter se passado a única coisa que eu ainda lembro é daquele sonho. Daquele lugar calmo tranqüilo. Onde o tempo e o espaço não importavam. Onde todos os sentimentos se uniam. Onde não havia dor nem medo nem pranto. E sempre que penso nesse lugar, algo dentro de mim suspira de tristeza e saudade. Algo dentro de mim anseia por aquele lugar, e por alguns instantes, eu sinto como se meu corpo ficasse muito pesado. Sinto como se meu espírito fosse sair livremente. Mas ele não sai. E então tudo volta ao normal. E a sensação desaparece como se nunca tivesse existido.
1 Comments:
Seus textos sempre me impressionam...
Gostaria de saber em que se inspira dessa maneira...
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